Pular links

A neuroquímica do sistema endocanabinoide

Manter o funcionamento do nosso corpo não é uma tarefa simples e requer a participação de diversos sistemas neurais, hormônios e órgão periféricos, todos atuando em completa sinergia.

Dentre os variados sistemas, um tem ganhando cada vez mais destaque: o sistema endocanabinoide. O sistema endocanabinoide desempenha várias funções fisiológicas para garantir a homeostase corporal e virou enfoque de pesquisas ao redor do mundo por seu potencial terapêutico, especialmente quando falamos do ramo da medicina canabinoide.

Devido a essa estreita relação com a planta cannabis, o sistema endocanabinoide ainda é alvo de grande tabu e desconhecimento da população e profissionais da área da saúde. Nesta matéria, vamos explicar em maiores detalhes o que é este sistema e suas bases neuroquímicas.

O sistema endocanabinoide é relativamente novo!

 

A Cannabis sativa é uma planta que tem sido usada para diversos fins há milênios. A utilização da Cannabis para fins medicinais remonta cerca de 5000 anos atrás, na China antiga, onde extratos da planta eram utilizados para tratamento de cólicas e dores diversas. Existem inclusive relatos da utilização de flores dessecadas da planta (que contém compostos psicotrópicos) por curandeiros nas primeiras civilizações do planeta. 

Apesar de todo este histórico, apenas na década de 60 é que foram realizados os primeiros estudos referentes ao sistema endocanabinoide e a cannabis. Nesse período, o pesquisador Raphael Mechoulam, junto com sua equipe científica e outros pesquisadores, descobriu e isolou o tetrahidrocanabinol (THC), um dos principais compostos psicoativos da planta. A partir deste estudo, outros componentes foram descobertos, como o canabidiol, colocando a Cannabis em evidência acerca dos seus potenciais medicinais.

Mesmo com todas essas descobertas, a ideia de que o organismo possuísse um sistema baseado em compostos com estrutura semelhante às substâncias encontradas na planta Cannabis era improvável. E esses paradigmas só foram quebrados nos anos 90, com a descoberta e isolamento dos receptores canabinoides. Nesta pesquisa, foram evidenciadas as existências de dois principais receptores canabinoides, chamados CB1 e CB2. 

Ainda na década de 90, descobriu-se em cérebros de suínos a existência de uma substância endógena (produzida pelo próprio organismo) que se liga aos receptores canabinoides, a anandamida (AEA). Posteriormente, novos estudos deixaram claro que os receptores canabinóides e os endocanabinoides endógenos (AEA), na verdade eram moléculas envolvidas diretamente no restabelecimento da homeostase corporal, colocando o sistema endocanabinoide de vez com um elemento fisiológico.

A Neuroquímica do sistema endocanabinoide

 

O sistema endocanabinoide é um dos sistemas mais complexos e relevantes do organismo humano, pois atua em diferentes tecidos e órgãos modulando as respostas imunológicas, a comunicação neural, a sinalização celular, entre muitos outros processos biológicos. Este sistema pode ser definido como uma rede de sinalização celular que atua por meio de transmissores sendo constituído por neurotransmissores endocanabinoides, receptores e enzimas responsáveis pela síntese e degradação dos endocanabinoides endógenos.

As substâncias endocanabinoides (ou canabinoides endógenos) funcionam como neurotransmissores no sistema nervoso, sendo a AEA e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG) os mais bem caracterizados. A maioria dos estudos sobre o sistema endocanabinóide se concentra nessas duas moléculas, apesar da existência de outras que interagem com receptores canabinoides e que foram recentemente identificadas.

Uma característica específica difere os endocanabinoides endógenos dos neurotransmissores clássicos: eles não são armazenados! Isso quer dizer que eles não ficam estocados no interior dos neurônios, sendo produzidos “sob demanda” por meio de enzimas e liberados imediatamente.

Tanto a AEA quanto o 2-AG podem ser produzidos por diversas vias e enzimas que também estão envolvidas na biossíntese de outras substâncias. Portanto, a inibição das vias envolvidas na síntese de endocanabinoides pode nem sempre reduzir efetivamente os níveis teciduais dessas substâncias e pode afetar os níveis de outros mediadores. 

Mas mesmo com toda essa “promiscuidade” enzimática, a enzima fosfolipase D específica (ou NAPE-PLD) é atualmente considerada a principal enzima responsável pela síntese de AEA, enquanto que uma fosfolipase C específica é responsável pela síntese do 2-AG. Após sua função de sinalização, os dois mediadores são recaptados por um transportador na membrana do neurônio para serem degradados por outras enzimas. O entendimento destes mecanismos de síntese e degradação é fundamental para o desenvolvimento de novos fármacos direcionados para manipulação do sistema endocanabinoide.

Receptores endocanabinoides do tipo CB1 e suas funções fisiológicas

Os receptores CB1 são amplamente distribuídos no sistema nervoso central (mas também apresentam expressão em outras partes do corpo!). O avanço no conhecimento científico por meio de técnicas cada vez mais específicas e precisas possibilitou uma descrição detalhada da distribuição anatômica dos receptores CB1 no cérebro. Os receptores CB1 se localizam, principalmente, pré-sinapticamente em neurônios excitatórios (glutamatérgicos) e inibitórios (GABAérgicos). 

 

Para compreender melhor o significado dessas informações, precisamos antes entender como funciona a neurotransmissão no sistema nervoso central. Uma parte da comunicação neuronal ocorre via neurônios GABAérgicos (que liberam o neurotransmissor GABA) ou glutamatérgicos (que liberam glutamato). Os neurônios GABAérgicos são considerados neurônios inibitórios, pois o neurotransmissor GABA atua inibindo a atividade de outros grupos neuronais em diferentes regiões do cérebro. Já os neurônios glutamatérgicos são considerados como estimulatórios, pois atuam estimulando outros neurônios.

Quando os endocanabinoides são liberados, eles se ligam aos receptores CB1, por exemplo, e essa ligação resulta na ativação deste receptor que, por sua vez, desencadeia processos celulares que culminam na inibição da liberação de GABA ou glutamato, a depender do tipo celular afetado. Perceba que essa modificação no padrão de atividade neuronal pode afetar outros neurônios em diferentes regiões cerebrais, alterando desde funções simples do nosso corpo até comportamentos complexos em áreas corticais superiores.

De forma semelhante, os receptores CB1 podem atuar em outros tipos celulares, diminuindo a liberação de proteínas indutoras da inflamação, como as citocinas. Estudos científicos apontam também que o receptor CB1 possui um efeito neuroprotetor devido à diminuição da liberação de glutamato em algumas regiões do cérebro, pois esse neurotransmissor, quando liberado em excesso, possui efeitos tóxicos aos outros neurônios.

Em geral, os receptores CB1 atuam centralmente em mecanismos que controlam vários comportamentos, como o alimentar, a cognição e emoções, controle da função motora, controle da dor, memória de curto prazo, além de atuarem no sistema de recompensa e nos mecanismos da dependência química. A ativação de CB1 também estimula a proliferação de células-tronco progenitoras adultas e sua diferenciação em neurônios ou astrócitos, um papel que pode ser relevante para distúrbios neurodegenerativos, por exemplo. Perifericamente, os receptores CB1 atuam em menor escala no sistema cardiovascular, gastrointestinal, e no metabolismo, especialmente no músculo esquelético e fígado. 

Receptores endocanabinoides do tipo CB2 e suas funções fisiológicas 

Os receptores CB2 são localizados, em sua grande maioria, em órgãos periféricos e células do sistema imunológico. Estudos em amostras de cérebro humano indicam que o CB2 é expresso forte e seletivamente em células do sistema imune cerebral, a chamada micróglia, especialmente em doenças como a doença de Alzheimer e a esclerose lateral amiotrófica (ELA). Outro estudo indicou que o CB2 reduz a liberação de citocinas pró-inflamatórias da micróglia ativada.

No entanto, órgãos periféricos também possuem a presença destes receptores. Assim como no cérebro, os receptores CB2 têm a maioria de suas ações relacionadas ao sistema imunológico e inflamação nos diferentes órgãos em que são expressos, como o intestino, fígado, coração, linfonodos, baço, além das células do sistema imune, como macrófagos, células linfoides e mieloides e mastócitos. 

Estudos científicos sugerem que a expressão deste receptor encontra-se reduzida em situações fisiológicas e aumentada em condições patológicas, como a inflamação, sugerindo um papel protetor deste receptor. No trato gastrointestinal, por exemplo, a ativação dos receptores CB2 modula a motilidade, a secreção do suco gástrico e hormônios, o apetite, bem como a permeabilidade do epitélio intestinal. Adicionalmente, a ativação de CB2 tem sido associada à estimulação da neurogênese, bem como à regulação do humor e da cognição.

Outros receptores endocanabinoides

 

A AEA também atua como um agonista pleno de receptores vaniloides de potencial transitório do tipo 1 (ou TRPV1). Essa é outra classe de receptores presentes no sistema nervoso central e que também pertence ao sistema endocanabinoide. Suas ações estão envolvidas na regulação do humor, medo, memória, ingestão alimentar, desenvolvimento visual e locomoção. O receptor TRPV1 é um receptor amplamente expresso também em neurônios periféricos, estando envolvido na regulação da transmissão sináptica associada à modulação da dor e inflamação.

Os receptores PPARα e PPARγ também estão envolvidos na neurotransmissão canabinoide. Estes são expressos em neurônios, astrócitos e micróglia, onde têm efeitos anti-inflamatórios e neuroprotetores. Por fim, existem ainda os receptores da família dos receptores acoplados a proteína G (GPRs), como o GPR 55, que são distribuídos em diversas partes do corpo e exercem funções anti-inflamatórias e neuroprotetoras.

O sistema endocanabinoide é complexo e relativamente novo aos olhos da ciência. Mas, diante de toda sua importância, fica evidente a necessidade de explorar ainda mais todo o seu potencial para a evolução de novas terapias. Isso é fundamental para abrir novas portas que beneficiem o desenvolvimento de tratamentos baseadas na medicina canabinoide,

A Biocase assume o compromisso de trazer informações de qualidade, baseadas em ciência e com fontes confiáveis, tudo isso para garantir que você se mantenha sempre informado e atualizado.

Com uma equipe formada por especialistas de alto nível, a BioCase é pioneira na divulgação da medicina à base do óleo CBD (Canabidiol) de altíssima qualidade no Brasil. Nossa missão é a de fornecer soluções para patologias de difícil controle a partir de recursos orgânicos, sem aditivos e livres de componentes psicoativos.

Referência:

Battista, N., Di Tommaso, M., Bari, M., & Maccarrone, M. (2012). The endocannabinoid system: an overview. Frontiers in behavioral neuroscience.
Chye, Y., Christensen, E., Solowij, N., & Yücel, M. (2019). The endocannabinoid system and cannabidiol’s promise for the treatment of substance use disorder. Frontiers in psychiatry.
Lu, H. C., & Mackie, K. (2021). Review of the endocannabinoid system. Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging.
Cristino, L., Bisogno, T. & Di Marzo, V. Cannabinoids and the expanded endocannabinoid system in neurological disorders. Nat Rev Neurol. (2020).
Zou, S., & Kumar, U. (2018). Cannabinoid Receptors and the Endocannabinoid System: Signaling and Function in the Central Nervous System. International journal of molecular sciences.
Zou, S., & Kumar, U. (2018). Cannabinoid Receptors and the Endocannabinoid System: Signaling and Function in the Central Nervous System. International journal of molecular sciences.

 

CannOnline

Telemedicina para Quando Você Mais Precisa.

Todos os dias, de qualquer lugar

A CannOnline indica profissionais especializados no atendimento de pacientes com necessidade de uso de canabinoides medicinais. Garantimos profissionais com foco nessa área e com formação adequada para o atendimento.

Saiba mais!